Em Shimla resolvemos dar uma de espertos e como todo turista que se preze, entramos numa furada! Passeando pelo Mall (que até então estávamos achando que seria um shopping) – que é uma rua com lojas dos dois lados da calçada (tipo um Saara) que quase todas as cidades indianas do Norte têm uma – paramos em algumas agências de turismo (cubículos de 2x2m onde só cabe o vendedor e no máximo dois clientes sentados apertados) para verificar se realmente a passagem de ônibus para dois, de Shimla até Manali, custava 800 Rupias (Rs). Aliás, na Índia é necessário sempre perguntar em pelo menos 4 ou 5 lugares diferentes para se ter uma idéia do preço, e nessa os preços variam em mais de200% em alguns casos, tudo depende de quão otário o vendedor te julgou. Numa dessas mini-agências o carinha nos ofereceu um tour, aonde iríamos num taxi compartilhado até Manali, parando nos pontos turísticos do caminho (afinal de contas é um trajeto pelo início da cadeia de montanhas do Himalaia), no dia seguinte visitaríamos a estação de esqui de Manali e no último dia uma visita aos pontos turísticos da cidade. Tudo isso por apenas Rs2000. Após uma breve pesquisa (pra se ter uma idéia algumas agências cobraram Rs5000 pelo mesmo pacote), fechamos!
O início já deu uma amostra do que seria a viagem. Estava marcado para sairmos às 09hs em ponto. Só saímos de Manali às 11:30hs. Após toda esta espera, quando finalmente o cara que nos vendeu diz que lá vem o nosso carro, olhamos e o único carro (um Jipe Tata) paraíbado que tínhamos visto até momento, é claro que era o nosso taxi, com um motorista de 18 anos. Como vocês podem ver na foto, pra melhorar a nossa impressão o adesivo que o paraíba colou no carro tinha escrito “Silent Killer”!! Entramos e família indiana que compartilhou conosco o tour, já estava instalada no banco principal e para nós sobrou o banco de trás do Jipe (tem 2 fileiras para sentar), onde eu só conseguia sentar com as pernas abertas em 120 graus de tão apertado que era...
A família foi disparado a melhor coisa do tour!! Muito gente boa! O estereótipo de família indiana: pai é quem manda e provê a casa (Mr. Murthy), a mãe só cuida dos filhos e do marido (Mrs. Murthy) e 2 filhos (Tchaithanya, de 9 anos, e Nagarjuna de 2,5 anos). Logo que chegamos no carro Nagu (como chamam o menor) estava dormindo e, portanto ainda não sabíamos de seu potencial.
A viagem é o tempo inteiro por montanhas altas a beira do abismo. A estrada que seria uma mão única apertada é, como sempre, mão dupla e nela transitam todos os tipos de bichos e veículos. E ainda por cima um motorista de 18 anos. Só mesmo com muito mantra.
Mas tudo bem, afinal de contas iríamos ver os pontos turísticos que perderíamos se tivéssemos ido de ônibus. Após 4 hs de viagem, quando já estávamos achando que não haveria ponto turístico nenhum, finalmente chega o tal Sunder Nagar Lake: um lago ridículo todo cercado de concreto (parecia um lago artificial), com um rio que mais parecia o Jardim de Alah. Não podia ser, o rato (apelido que viemos a dar mais tarde ao motorista) deve estar nos enrolando! Quando íamos reclamar, vemos a família correndo pra pegar a máquina e tirar foto do lago...
Inacreditável!! O segundo ponto turístico era passar pela cidade de Mandi, que é uma cidade feia como todas as outras... Depois de Mandi o trajeto ficou lindo, pois fomos beirando o rio Beas o tempo todo. Vários visuais lindos, mas isso não faz o gosto dos indianos. Então veio o Pandoh Dam, que de tão importante o rato até parou para nos deixar registrar. Pandoh Dam é uma barreira que cria uma represa no rio Beas!! Ali começamos a entender que o tour era para indianos e não para ocidentais... Depois venho um templo de beira de estrada chamado Hanogi Mata. Templo de beira de estrada é bem característico da Índia, é uma birosquinha minúscula, com uma deidade feia gradeada (que parece boneco de parque de diversões mal assombrado). E mais engraçado é que quando pedimos para parar na estrada para tirarmos foto do visual que estava lindo, eles riram!! Heheheheh
Mas pelo menos uma coisa legal teve: o templo de Vaishnoo Devi em Kullu Valley. O templo é bem antigo e é dentro de uma caverna, onde é preciso entrar engatinhando de tão pequeno. Ali quando achávamos que poderíamos dar uma meditada rápida pra diminuir o mau-humor, Nagu começa a mostrar seu potencial!! Gritos ensurdecedores dentro da caverna e uma disposição de dar inveja. Pegava o dinheiro que as pessoas ofereciam para a deidade (o nome disso na Índia é Prasadha), ficava pulando, subia no altar, fazia de tudo!! Mas o que era lindo é que mesmo com apenas 2 anos sabia todos os gestos que devem ser feitos e fazia todos umas mil vezes, se divertindo. Esse foi o último ponto turístico.
Após mais de 11hs de viagem totalmente apertados no banco de trás, estávamos louco para chegarmos no hotel, comer e dormir. Mas o rato nos levou para um hotel muito, mas muito nojento mesmo (o pior que já fiquei até agora, e olha que já são quase 3 meses de Índia)!! A roupa de cama era cinza de tanto sebo. O chão de carpete fedia e estava visivelmente imundo. Dava nojo de encostar em qualquer coisa. E o cara-de-pau nos cobrou Rs500 (R$20) pela noite (preço de um hotel razoável em cidades pequenas), dizendo que o preço normal seria Rs900 só para nos convencer. Realmente devemos ter cara de otário... Mas como já eram 22:30hs, o cansaço nos venceu (ou seja, a tática dele funcionou) e ficamos ali mesmo, após uma breve faxina. Mas tudo bem, no dia seguinte seria melhor, pois íamos para a tal estação de esqui.
O segundo dia de tour estava marcado para as 09hs, mas devido ao atraso do primeiro dia relaxamos e nos programamos para as 09:30hs. Às 09:10 o rato bate na porta do nosso quarto e pergunta se ainda vamos nos atrasar mais... Quando chegamos ao carro, ele nos diz que tem que passar na oficina pra consertar um pequeno problema. Fala sério!! Reclamou do nosso atraso de 10 min e nem pra acordar mais cedo pra consertar o carro. Esperamos mais de 1hs nessa brincadeira. Mas isso é o padrão aqui na Índia, cliente sempre em último lugar. Em qualquer lugar (restaurante, auto-rikshaw, taxi, hotel) parece que eles estão te fazendo o favor de te servir. É pior que na Bahia, pois além de lento eles te olham com cara de incomodados se você reclama ou pede para apressarem. Ainda estávamos nos acostumando a isso...
Finalmente em direção a tal estação, veio mais uma surpresa. O rato pára numa birosca de beira estrada para alugarmos as roupas e os esquis. Como assim? A estação não tem as coisas pra alugar? Foi a nossa surpresa. Estava achando muito estranho, achando que mais uma vez o rato tentava nos ratazanear com mais um esquema “dos amigo”. Mr. Murthy e as crianças estavam animadíssimos, achando tudo ótimo. Resolvi fazer uma pesquisa nas biroscas vizinhas (tem uma centena delas ao lado da estrada) e descobri que não era estação nenhuma, na verdade é uma montanha nevada que os indianos vão para ver neve e aprender a esquiar. Bom tudo bem, após conseguir um desconto de 40% fechamos um pacote para nós e a família. Mr. Murthy ficou impressionado com minha destreza para chorar o preço e neste dia descobri que os indianos, quando estão no lazer (o caso deles férias) não choram preço, pois eles juntaram o dinheiro necessário para tal, logo querem demonstrar prosperidade.
Chegando a tal montanha (ex-estação) a fila de taxis parados ao lado da estrada era enorme. Quando após uma breve caminhada chegamos até o local, avisto um morro, com neve derretida (praticamente gelo), com centenas de indianos por todos os lados. Não sei o que acontece, mas os indianos ali estavam todos abobados de felicidade, brincando como crianças, tanto de jogar bola de neve nos outros e outros inclui você, pois eles jogam em qualquer um e ficam rindo da sua cara, principalmente quando você fica puto. E a brincadeira que eles mais gostam é subir até o alto do morro e descer rolando, só que como é gelo, não conseguem frear e fazem um strike (de boliche mesmo!!) em pelo menos umas 10 cabeças que estão chegando na montanha. São as boas vindas!!
Manu, depois de ver toda essa bagunça e devido a uma indisposição intestinal, desistiu de esquiar (pois não tem teleférico, tem que subir o morro a pé mesmo). Mas tudo bem, depois de desviar de pelo menos uns cinco indianos que vinham escorregando sem controle e tomar umas 20 boladas de neve, pelo menos eu ia esquiar. Mas a maior surpresa ainda estava por vir. Quando perguntei ao nosso guia porque não tinha ninguém descendo a montanha de esqui, ele me respondeu normalmente: ‘Descer a montanha de esqui é esporte perigoso, vamos fazer esporte seguro. Vê aquele monte de gente ali em cima, ali tem uns 10 metros de pista onde podemos fazer esqui seguro’ (tentei traduzir a tosquíce do inglês dele com um sotaque indiano pra lá de carregado) Tinha umas 60 pessoas envolta da pista, que realmente tinha só uns 10 metros de extensão, com um inclinação de no máximo 10 graus. Ridículo!! Mas como já tinha pagado, era isso né. Após esperar mais de meia-hora por uma vaga na pista, chegou a minha vez. Só tinha esquiado uma vez na minha vida, mas como todos os indianos eram muito descoordenados, virei a atração da pista. Pois além de ser o único ocidental (aqui aprendemos que programa de indiano é o famoso programa de índio, qualquer semelhança, não é mera coincidência), também era o único que conseguia andar a pista inteira sem cair. Então toda a fixação dos indianos por ocidentais foi multiplicada e enquanto eu ‘esquiava’ (se é que isso pode ser chamado de esquiar) devia ter uns 5 ou mais indianos me acompanhando pela pista me filmando e tirando foto com seus celulares!! Inacreditável!! Dia de estrela!! Hahahahaha
O restante do tour teve mais algumas surpresas desagradáveis, mas nada que supere as já relatadas. No final sempre tiramos algumas lições (não fazer programa de indiano, não querer ser turista esperto, rato é rato em qualquer lugar, entre outras) e descobrimos a beleza da família típica indiana. O amor deles entre si, a dedicação total e irrestrita da mãe, a inocência das crianças e o cuidado do pai, são valores genuínos e lindos que há muito nossa sociedade ocidental perdeu. Uma pena...