sexta-feira, 9 de maio de 2008

O Equivoco Essencial

(Todo este texto é baseado em conceitos básicos do Vedanta, que aprendi nas aulas com a Glória Arieiraji e com Pujya Swami Dayanandaji, porém com as minhas palavras. Logo, desculpem qualquer item que não fique claro, com certeza foi minha expressão que não foi suficiente.)
Por que será que sempre estamos buscando alguma coisa? Por que, não importa o momento, o lugar ou com quem estejamos, estamos sempre com algum desejo a ser realizado? Por que existe dentro de cada um de nós essa inquietude nata? Essa necessidade de realizações, de consagrações, de reconhecimento, de emoções fortes? Na verdade, a questão básica é, por que sempre queremos o que ainda não temos? Por que nunca estamos satisfeitos plenamente com nossas vidas? Por que sentirmos a ausência de tantas coisas? Às vezes sentimos a ausência de coisas que nem sabíamos que existiam a pouco tempo atrás (ex: iPod).

Essa busca constante ocorre devido a um equívoco básico, o fato de acharmos que somos incompletos e limitados. De acharmos que a felicidade (ou tristeza) está no mundo, nos acontecimentos da vida, nos objetos, nas pessoas e não dentro de nós. Nós realmente acreditamos que felicidade é um estado mental que ocorre devido a algum evento prazeroso, quando conseguimos realizar algum desejo. Que a felicidade está diretamente associada a pessoas, objetos, poder, dinheiro e prazer. E que a tristeza, ao contrário, é um estado mental que ocorre por causa de um evento indesejável ou diferente do que esperávamos, onde o objeto ou pessoa que possui a felicidade não nos é concedido.

A realização dos desejos não traz felicidade, apesar de acharmos justamente o contrário. Sempre colocamos uma condição para sermos felizes.

Por exemplo, quando eu me formar eu ficarei feliz. A formatura vai chegando perto, e o objetivo muda, agora você quer arrumar um emprego. Chega o tão esperado dia da formatura e você até fica feliz, mas é uma felicidade passageira e com muito menos intensidade do que você imaginava que seria a alguns meses atrás. Pois agora o desejo é por arrumar um trabalho, ou quem sabe fazer uma pós-graduação. E então você arruma um emprego. Mas ele muito braçal, você pode fazer muito mais que isso. Tem que sair tarde todo dia do escritório e ainda por cima ganha pouco. Você deve ficar feliz devido ao emprego por umas 2 semanas no máximo. Pois agora, você quer ser promovido ou arrumar um emprego melhor. E assim vai...

Sempre que alcançamos um objetivo, a felicidade é breve e rapidamente nossa mente arruma outro para perseguirmos. E assim os anos passam, com breves momentos de felicidade e uma busca constante, uma preocupação constante. Nunca estamos relaxados, satisfeitos com nossa condição. E o mais engraçado é que mesmo com esse ciclo acontecendo incessantemente, não nos damos conta disso. Continuamos achando que os desejos é que trazem a felicidade e por isso continuamos a persegui-los.

Isso sem falar naqueles desejos que ao serem realizados, ao invés de nos sentirmos felizes, nos sentimos mal. Pois achamos que não foi da forma como esperávamos, que poderia ter sido melhor, que nos esforçamos tanto e ninguém reconheceu nosso mérito, etc, etc, etc.
Como é possível perceber, a felicidade não está fora de nós, não está na realização de nossos anseios. Na verdade o que ocorre é justamente o contrário. Ficamos felizes quando conseguimos esquecer de nós mesmos, esquecer de todos os desejos que ainda não realizamos, esquecer de todas nossas aspirações e do esforço necessário para atingi-las. A felicidade é um atributo essencial nosso! Não um atributo inerente aos objetos, pessoas e situações que desejamos. Nós só não sabemos disso... E principalmente só nos permitirmos desfrutar dessa nossa qualidade essencial quando nos esquecemos de nossa vida, quando estamos apenas presentes, aproveitando cada momento.

A tristeza, por outro lado, ocorre justamente quando um evento aguardado tem um resultado que não queríamos e isso nos faz lembrar de todos os nossos outros desejos, de quantas coisas ainda queremos e do esforço que teremos que fazer por eles. E ao mesmo tempo nos faz considerar a possibilidade de estes também não serem realizados. Quando nos lembramos de nós mesmos e todas nossas vontades a realizar, ficamos tristes.

Sei que ao ler isso pela primeira vez é realmente difícil de levar a sério. O que vem a mente é: tá bom, se a felicidade está dentro de mim e não nos objetos, por que todo mundo que eu conheço pensa como eu e busca a felicidade nas realizações da vida? Por que não somos todos felizes então?

Como foi dito, não somos felizes sempre, justamente porque não sabemos disso e ficamos projetando nossa felicidade nos objetos, pessoas e situações desejadas.

Para tentar deixar isso um pouco mais claro creio que um exemplo ajuda: uma música que você adora. Sempre que ouve essa música, você fica feliz. Pra você essa música é sinônimo de felicidade. Se a felicidade não está dentro de você e sim no mundo externo, neste caso específico na música citada, todos que ouvirem essa música devem ficar felizes também, certo? Se a música é que tem a qualidade da felicidade e não você, esta qualidade (da felicidade inerente) deve se expressar para qualquer um que a ouça. Faz sentido, não? Mas no caso da música, é fácil reconhecermos que não é assim que a banda toca. O que é música boa pra mim e traz a sensação de felicidade, pode ser o oposto para você.

Quando eu ouço uma música do Jack Johnson (ex: F-stop Blues), lembro do surf e fico feliz. Já outra pessoa pode lembrar da viagem que fez com a ex-namorada (que ele ainda gosta) pra saquarema e isso o deixa triste. Essa mesma pessoa, que agora fica triste, ficava super feliz ao ouvir essa música, pois além de lembrar do surf, lembrava desse momento tão agradável com a (na época) namorada amada. Este exemplo mostra que até o sentimento que um objeto ou situação (neste caso a música) te trás muda com o tempo, deixando ainda mais claro ainda que a felicidade não é um atributo do objeto e sim seu.

Tudo bem, já dá pra entender que o a felicidade não é um atributo inerente aos objetos, mas ainda não há certeza sobre o fato de que minha natureza é a felicidade e principalmente, de que só fico feliz quando esqueço de mim mesmo. Na verdade quando esqueço do que acho que sou. Vamos tentar clarificar este ponto.

Mesmo num daqueles dias, em que tudo dá errado, você esperava que algo muito bom fosse acontecer e que acontece justamente o oposto. Mesmo num dia desses, quando você está no meio de uma reunião e alguém conta piada realmente engraçada, daquelas curtas que não é preciso muito raciocínio, você irá rir. Não importa os outros problemas, naquele momento você esquece deles e ri. De fato se sente bem. Ou melhor, se num dia desses, você sai do trabalho e vai beber para afogar as mágoas. Chegando lá você encontra um velho amigo que não a vê a muito tempo e então vocês resolvem sair pra conversar melhor e curtir como nos velhos tempos. Pronto, a tristeza se foi. Foi só se esquecer do que estava acontecendo que você fica feliz. Tudo bem, é verdade que no dia seguinte a tristeza virá aumentada pela ressaca, mas naquele noite você esteve feliz, pois esqueceu de si mesmo. Ao menos, esqueceu do desejo não realizado que te deixava triste.

É justamente por este fato, de ficarmos felizes quando esquecemos de nós mesmo que a sociedade atual tem tantas atrações que nos ajudam esquecermos de nossas vidas. Os esportes radicais, cinema, televisão, jogos, shows, etc. Todos eles fazem tanto sucesso, pois prendem sua atenção em algo prazeroso e te fazem esquecer da vida. Eles são tão intensos, com tanta informação que não há tempo para pensar em mais nada, você fica imerso naquele mundo e esquece de si mesmo.

Outra forma lógica de abordar esta questão é a seguinte. O que você realmente quer na vida? É ser feliz, certo? E se alguém te perguntar (o gênio da lâmpada, por exemplo), você quer ser feliz hoje ou amanhã? A resposta mais provável seria: hoje, amanhã e depois de amanhã, quero ser feliz todos os dias. A pergunta seguinte seria, você quer ser feliz na sua casa ou fora de casa? E a resposta: em casa e fora de casa, quero ser feliz em qualquer lugar. E por fim, você quer ser feliz com sua família ou com seus amigos? Quero ser feliz com minha família e com meus amigos, quero ser feliz com qualquer pessoa ou coisa.

Em resumo, você quer ser feliz, independente de tempo, espaço, pessoas e objetos. Se esse é o seu desejo mais essencial, então só pode haver uma solução para esta equação: a felicidade tem que vir de você mesmo. A única coisa que está sempre presente contigo, não importa o lugar, tempo, pessoas e objetos é a sua consciência. É você mesmo. Logo, se a felicidade não é natural do seu ser, toda essa criação e essa vida que levamos está fadada ao fracasso, a desilusão e a tristeza.

Não sei quanto a vocês, mas eu não consigo sequer imaginar que toda essa beleza e inteligência que está presente na natureza, em nós mesmos (órgãos, cérebro, sentimentos, etc.), no mundo e no espaço é em vão. Que tudo ocorre por um mero acaso e que não há saída, vamos nos decepcionar sempre, pois nossa felicidade não depende somente de nós. Por este simples motivo, fica claro que a felicidade não só emana de nós mesmos, como não poderia ser diferente disso. Esse é o equívoco básico! É isso que nos faz viver estressados, ansiosos, sempre na busca de algo que nos complete, que nos faça esquecer de nós mesmos, para que aí sim, possamos entrar em contato com nossa natureza essencial. Natureza essa, que da mesma forma como o mundo que nos cerca, é bonita, alegre, completa e permanente!!

É importante deixar claro que o Vedanta não tenta dizer que a vida será um “mar de rosas” se você entender isso. Existem situações desagradáveis, dor. A perda de um ente querido, por exemplo, nunca será uma experiência agradável. O Vedanta nos ensina a lidar com elas. O ponto principal é que, tendo consciência de que a felicidade depende única e exclusivamente de mim, e não do resultado das minhas ações, eu consigo viver de forma mais objetiva, menos estressante e bem mais agradável. Pois desta forma, não projeto nos objetos, pessoas e situações a responsabilidade pela minha felicidade. Consigo lidar com eles com objetividade, como eles realmente são. E assim, consigo tomar decisões muito mais conscientes e de forma muito mais fácil. Se algo não acontece do jeito que eu queria, eu paro e penso o que posso fazer agora para mudar ou melhorar o resultado. Mas não fico me sentindo infeliz devido a esse resultado. Pois não projeto mais minha felicidade no resultado de minhas ações, pois sei que ela só depende mim.
Essencial e simplificadamente é assim que o vedanta explica tudo: através do raciocínio lógico, te levando a enxergar pré-conceitos equivocados e te ajudando a viver a vida com objetividade, sem falsas projeções, sendo responsável por sua própria felicidade. Pois na verdade, você já é o que você procura!! Esse é o equívoco essencial.

Nenhum comentário: