segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Dois Tempos (Alan Lightman)


Esse é uma tradução/interpretação de uma passagem do livro Einstein's Dreams:

"Neste mundo, existem dois tempos. O tempo mecânico e o tempo do corpo. O primeiro é rígido e metálico como um pêndulo de aço que balança para frente e para trás, para frente e para trás, para frente e para trás. O segundo estica e contorce-se como um peixe nadando no mar. O primeiro é fixo e predeterminado.O segundo decide o que fazer enquanto anda.

Muitos têm certeza de que o tempo mecânico não existe. Quando passam pelo grande relógio da praça, não o vêem; tampouco ouvem suas badaladas. Eles usam relógios em seus pulsos apenas como ornamentos ou por educação à quem lhe deu como presente. Eles não têm relógios em suas casas. Eles apenas ouvem as batidas de seus corações. Eles sentem o ritmo de seus desejos e necessidades. Essas pessoas comem quando tem fome, vão para seu trabalho apenas quando acordam de seu sono, fazem amor a qualquer hora do dia. Pessoas assim riem do pensamento preso ao tempo mecânico. Eles sabem que o tempo se move em ajustes e inícios. Eles sabem quanto o tempo pesa em suas costas quando estão correndo para hospital levando seu filho machucado, o tempo não passa. E eles também sabem que o tempo passa num piscar de olhos quando estão se divertindo com seus amigos ou quando estão estirados nos braços de um amante secreto.

No entanto, há aqueles que crêem que seus corpos não existem. Eles vivem presos ao tempo mecânico. Eles acordam as sete em ponto, almoçam ao meio-dia e jantam as oito. Chegam em seus compromissos pontualmente. Fazem amor entre nove e onze da noite. Trabalham exatas quarenta horas por semana, lêem o jornal de domingo no domingo e jogam seu baralho toda terça à noite. Quando suas barrigas roncam de fome, eles olham para o relógio para ver se já é hora de comer. Quando estão em um concerto chato, olham para o relógio para ver quanto tempo falta para poder sair. Eles sabem que o corpo não é fruto de nenhum milagre da natureza, mas sim, uma coleção de reações químicas, tecidos e impulsos nervosos. Pensamentos não são nada além de estímulos elétricos de seus cérebros. Desejo sexual não é nada além de hormônios chegando a algumas terminações nervosas. Tristeza nada mais do que um ácido no cerebelo. Em suma, o corpo é uma máquina, sujeita às mesmas leis da eletricidade e da mecânica como um elétron ou um relógio. Como tal,o corpo deve ser tratado conforme a física. Se o corpo fala, ele está apenas expressando um conjunto de alavancas e forças interagindo entre si. O corpo é algo a ser requisitado e não obedecido.

Em uma noite qualquer, alguém percebe a evidência destes dois mundos em um só. Um barqueiro no rio sabe sua posição no escuro ao contar os segundos enquanto desliza pelas águas do rio. ”Um, três metros. Dois, seis metros.Três, nove metros.” Sua voz corta a escuridão de forma clara e certeira. A baixo de um poste, de uma das pontes que cruzam o rio, dois irmãos que não se viam a anos estão a tomar cervejas, conversar e rir. Neste mesmo momento, o grande relógio da praça badala por sete vezes. Em segundos, as luzes dos apartamentos ao redor se acendem, numa resposta mecanicamente perfeita. Deitados numa pequena cama, dois amantes acordam lentamente, devido às badaladas do relógio, surpresos que já é noite.

Onde estes dois tempos se encontram, desespero. Onde estes dois tempos seguem seus caminhos separados, contentamento. Com sorte, um advogado, uma enfermeira ou um cozinheiro conseguem fazer seu mundo em um ou outro tempo, mas não nos dois ao mesmo tempo. Cada tempo é real, mas essas realidades não são as mesmas."

(Alan Lightman – Einstein´s Dreams)

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